sexta-feira, julho 21, 2006

Ciúme

O Amor não Existe sem Ciúme

Se o ciúme nasce do intenso amor, quem não sente ciúmes pela amada não é amante, ou ama de coração ligeiro, de modo que se sabe de amantes os quais, temendo que o seu amor se atenue, o alimentam procurando a todo o custo razões de ciúme. Portanto o ciumento (que porém quer ou queria a amada casta e fiel) não quer nem pode pensá-la senão como digna de ciúme, e portanto culpada de traição, atiçando assim no sofrimento presente o prazer do amor ausente. Até porque pensar em nós que possuímos a amada longe - bem sabendo que não é verdade - não nos pode tornar tão vico o pensamento dela, do seu calor, dos seus rubores, do seu perfume, como o pensar que desses mesmos dons esteja afinal a gozar um Outro: enquanto da nossa ausência estamos seguros, da presença daquele inimigo estamos, se não certos, pelo menos não necessariamente inseguros. O contacto amoroso, que o ciumento imagina, é o único modo em que pode representar-se com verosimilhança um conúbio de outrem que, se não indubitável, é pelo menos possível, enquanto o seu próprio é impossível. Assim o ciumento não é capaz, nem tem vontade, de imaginar o oposto do que teme, aliás só pode obter o prazer ampliando a sua própria dor, e sofrer pelo ampliado prazer de que se sabe excluído. Os prazeres do amor são males que se fazem desejar, onde coincidem a doçura e o martírio, e o amor é involuntária insânia, paraíso infernal e inferno celeste - em resumo, concórdia de ambicionados contrários, riso doloroso e friável diamante.

Umberto Eco, in 'A Ilha do Dia Antes'

O Verdadeiro e o Falso Ciúme

O ciúme é uma espécie de temor, que se relaciona com o desejo de conservarmos a posse de algum bem; e não provém tanto da força das razões que levam a julgar que podemos perdê-lo, como da grande estima que temos por ele, a qual nos leva a examinar até os menores motivos de suspeita e a tomá-los por razões muito dignas de consideração. E como devemos empenhar-nos mais em conservar os bens que são muito grandes do que os que são menores, em algumas ocasiões essa paixão pode ser justa e honesta. Assim, por exemplo, um chefe de exército que defende uma praça de grande importãncia tem o direito de ser zeloso dela, isto é, de suspeitar de todos os meios pelos quais ela poderia ser assaltada de surpresa; e uma mulher honesta não é censurada por ser zelosa de sua honra, isto é, por não apenas abster-se de agir mal como também evitar até os menores motivos de maledicência.
Mas zombamos de um avarento quando ele é ciumento do seu tesouro, isto é, quando o devora com os olhos e nunca quer afastar-se dele, com medo que ele lhe seja furtado; pois o dinheiro não vale o trabalho de ser guardado com tanto cuidado. E desprezamos um homem que é ciumento de sua mulher, pois isso é uma prova de que não a ama da maneira certa e tem má opinião de si ou dela. Digo que ele não a ama da maneira certa porque se lhe tivesse um amor verdadeiro não teria a menor inclinação para desconfiar dela. Mas não é à mulher propriamente que ama: é somente ao bem que ele imagina consistir em ser o único a ter a posse dela; e não temeria perder esse bem se não julgasse que é indigno dele, ou então que a sua mulher é infiel. De resto, essa paixão refere-se apenas às suspeitas e às desconfianças; pois tentar evitar algum mal quando se tem motivo justo para temê-lo não é propriamente ter ciúmes.

René Descartes, in 'As Paixões da Alma'

Ora aqui temos duas versões sobre o ciúme.
Não posso dizer qual das duas será a mais acertada. São diferentes. Partilham algumas coisas..diferem noutras. Diferentes abordagens.
A minha abordagem é também um pouco diferente..partilhando dalgumas coisas que dizem mas tendo a minha própria resolução.

Dizem que não pode haver amor se não houver ciúme. Concordo. Acho que o ciúme é uma prova de que realmente se gosta de alguém, não tanto pelo facto de se poder perdê-la, mas antes pelo facto de ter ciúmes por simplesmente gostar dela. Ora eu explico-me. Quando se tem ciúme é porque se gosta realmente de algo e se tem medo de perdê-lo; tal como esta estipulado no dicionário de português, ciúme é sentir inveja de alguém que usufrui de uma situação que não possuímos ou de que queremos exclusividade, ou seja, pode-se sentir ciúme não com medo de perder algo ou alguém mas antes como "inveja" de não poder ter usufruido do que a outra pessoa usufruiu.
Tratando-se de pessoas, quando alguém tem ciúmes de alguém, de uma namorada/o não quer dizer que duvide da sua fidelidade, apenas que queria ter usufruido da namorada/o quando foi outro/a que o fez.
Podemos pensar que isto é um acto muito egoísta para com os outros....mas vivemos num mundo egoísta! Se não prezarmos o que é nosso, alguém o fará!
Ora como diz o Sr. Umberto, existem aqueles que não amam o suficiente e têm entao como método "imaginar" ciúmes em tudo de modo a valorizar a namorada/o como digna de ciúme para poder continuar a amá-la. Contudo será obrigatório considerar que aquele que é deveras ciumento não ama verdadeiramente??
Não sei...tenho as minhas dúvidas. Há que saber é interpretar bem esta questão do ciúme.
Eco refere que o ciumento/a, ao imaginar a namorada/o com a outra pessoa tendo assim ciúmes dessa imagem criada na sua mente, imaginado mesmo o "contacto" entre os dois, não consegue imaginar a situação oposta do que pensa, isto é, se fosse no caso contrário, se fosse ele o objecto de ciúme. Ora aqui é que acho que Eco peca. Penso que Eco pode ter razão para a maioria dos casos, contudo não para todos. Isto porque 99% da população namoram por interesse e não por amor. Logo aos outros 1% não se pode aplicar tal regra. Creio que para uma relação funcionar,
tem de haver equilibrio senão há problemas. Assim sendo o ciumento tem de primeiro analisar a situação que provoca ciúme e pensar se na situação oposta a sua namorada também ia sentir ciúme e como ele iria reagir. Creio que assim o ciúme está fundamentado, e que quando alguém que assim pensa e age tem ciúme é porque realmente há razão para ter.
Aqui têm a definição de ciúme dada pelo dicionário de Língua Portuguesa:
Ciúme - s. m. inveja de alguém que usufrui de uma situação ou de algo que não se possui ou que se desejaria possuir em exclusividade; sentimento de possessividade em relação a algo ou alguém; sentimento gerado pelo desejo de conservar alguém junto de si ou de não conseguir partilhar afectivamente essa pessoa; sentimento gerado pela suspeita da infidelidade de um parceiro (do lat. zelumen, de zelu, «inveja»).
A respeito da validade do ciúme, como disse acima, acho que é imprescindível analisar os dois lados e só depois tirar conclusões, tal como a pessoa que é objecto de ciúme também deve por si mesma analisar os dois lados de modo a poder compreender o seu namorado/a.
Descartes afirma que há ciúme verdadeiro e falso, sendo o falso aquele que uma pessoa que não ame realmente tem, i.e., quando alguém em vez de amar algo ou alguém tem simplesmente medo de perde-lo/a pois gosta de saber que é o único/a a possui-lo/a.
Como já disse, não creio tanto que seja uma questão de confiança ou desconfiança. Não é por termos ciúmes que quer dizer que desconfiemos da nossa amada/o. Acho que é mais uma questão de a pessoa criar situações que o namorado/a ache serem dignas de ciúme e de criar as situações que possam levar à concretização do que o ciumento temia.
Mas uma vez mais insisto: não é uma questão de confiança ou não, mas antes uma questão de zelo, inveja de alguém estar a fazer o que nós gostariamos de estar a fazer.

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